sábado, 25 de agosto de 2007

Mudança

Jorge ficou preso por 17 anos por um crime que não cometeu. Novas evidências surgiram, reabriram o caso e comprovaram a inocência do homem acusado de ter matado a mulher e os filhos.
No dia em que o soltaram, Jorge, que agora era um homem só, pois havia perdido a única família que tinha, andou durante horas pelas ruas recém molhadas pela chuva. Caminhou pensando em tudo que lhe havia acontecido. Ao sair da prisão, não sentiu um alívio ou algo parecido. Sentiu medo. Um medo que foi crescendo conforme ele andava.
Passando por um desses mercadinhos, uma idéia já vagava por sua mente. Entrou no estabelecimento. Sem raciocinar direito o que iria fazer, caminhou pelos corredores até encontrar o que procurava. Pegou o objeto, dirigiu-se ao caixa e ameaçou: “O dinheiro ou eu te mato!”. A mão, que tremia, segurava uma faca. O rapaz do outro lado do balcão levantou as mãos e tentou acalmá-lo. Um homem que fazia compra ali, vendo a situação, tentou arrancar a faca da mão de Jorge, que o viu através de um daqueles espelhos localizado no canto superior do local. Tentando impedir que o desarmasse, Jorge se virou e acabou acertando o peito do pobre homem, que agonizou por um tempo até finalmente morrer ali mesmo. Jorge largou a faca e deitou-se no chão. Nem foi preciso que lhe pedissem. Depois de um tempo a polícia chegou. Jorge sabia que não mais conseguiria ser livre. Infelizmente algo no plano não funcionou. Por outro lado, havia conseguido o que queria.
Prenderam-no novamente.
Jorge entrou na cela e se sentou. Fixou o olhar na lua cheia um pouco coberta pelas nuvens de chuva. Pensava consigo mesmo: “A mesma cela, a mesma cama, as mesmas grades, os mesmos carcereiros, as mesmas fotos penduras na parede, os mesmos desenhos feitos há muito tempo por outros presos, a mesma rotina, os mesmos livros, a mesma vista, o mesmo silêncio, a mesma solidão, a mesma incerteza...”
Baixou a cabeça, mudou o foco de seu olhar, suspirou e disse com a voz baixa:
— Apenas Jorge não é o mesmo.
by Tais Carla

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Filosofia de Vida

When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world
When the world turns its back on you...
you turn your back to the world

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Imprevisto

Samanta está na sala assistindo televisão. Veste uma camisa preta, calça preta, acessórios pretos, enfim... tudo preto. Muda de canal insistentemente. Na cara, carrega uma expressão de tédio.
De repente entra na sala Gabriela, a irmã. Totalmente o oposto. Veste um vestido de flores, bem colorido. Jovem e tranqüila (tranqüila pelo menos na maior parte do tempo). Senta-se ao lado da irmã e reclama:
“Onde está Alfred? Preciso falar com ele.”
A irmã escuta aquilo com indiferença.
“Acredita que ontem pedi que me trouxesse um copo de leite e estou esperando até hoje?”
“Será porque ...”
Nem esperou que Samanta completasse a frase e disse:
“Esses mordomos de hoje, cada vez mais folgados.”
Samanta continuava a mudar de canal. Viu que a irmã não a escutaria.
“Mas hoje mesmo converso com papai. Ele vai ter que ser mais severo. Vou pedir que o castigue de alguma forma... que desconte do salário. O que você acha?”
A irmã permaneceu calada. Gabriela prosseguiu:
“Ou que o rebaixe a jardineiro. Ou faxineiro.”
Olhou para a irmã que continuou sem dizer nada.
“Talvez ajudante de cozinheira. Ou... ou ... que, definitivamente o DEMITA!”
Essa última frase colocou com satisfação. Samanta a olhou. Gabriela, depois de uma pausa, continuou:
“Ai, fala alguma coisa!”
Samanta se levantou, deu alguns passos, virou e dirigiu-se à irmã.
“Que me importa. Ele morreu mesmo.”
Silêncio.
“Infarto. O encontraram ontem com um copo de leite na mão.”
Silêncio.
“Que foi? Nem sempre me visto assim como um estilo de vida.”
Uma lágrima de arrependimento desceu lentamente pela face rosada de Gabriela.
by Tais Carla

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Diálogo no salão de beleza

De repente entra no salão de beleza uma mulher alta, cabelos ruivos. Seu nome: Verônica. Numa das mãos carrega um bolsa pequena vermelha, na outra segura o cigarro, ainda apagado. Procura um lugar para se sentar. Encontra uma cadeira vazia ao lado de uma mulher com algum tipo de creme na cabeça.
Senta e não fala nada até que a mulher ao lado, cabelos loiros, talvez recém tingidos, unhas grandes, vira e diz:
“Acho que vai chover”.
Verônica apenas balança a cabeça e começa a mexer na bolsa a procura do isqueiro. Encontra-o e acende o cigarro.
A mulher insiste em conversar:
“Você vem sempre aqui.”
“Não preciso”, retruca Verônica friamente.
A outra desconversa:
“Acho que vou tingir meu cabelo de ruivo, assim como o seu... Ah, já viu as novas cores de esmalte? Achei divinas.”
Verônica apenas faz caras e bocas.
Ela prossegue:
“Não devia fumar, faz mal a saúde e ...”
Antes que termine a frase o celular toca, ela atende e segundos depois diz :
“Não acredito. Ai, meu Deus, eu não acredito. Eu consegui. Finalmente eu consegui. Vou para Paris. Devo estar sonhando.”
Essa ultima afirmação diz olhando para Verônica, que retruca num tom sério:
“Não está não.”
A outra:
“Só posso estar sonhando.”
“Não. Não está não.”
“Estou!”, diz sorrindo histericamente.
“Não está.”
“Paris é um sonho, meu amor. Só posso estar sonhando, entendeu?”
“Não está. Vai por mim.”
“Ai, moça, estou sim... ai ai. Isso, definitivamente é um sonho.”
Verônica se levanta, pega a mão delicada da “patricinha” (como já a havia concebido mentalmente) e apaga o cigarro lentamente. Olha-lhe nos olhos, com um ar de impaciência.
“Então, sentiu isso?... Você não está sonhando, acredite!”
Verônica olha para uma das moças que estava tendo o cabelo cortado, aponta para o relógio e sai sem olhar para trás. Os primeiros pingos de chuva começam a cair lá fora.
by Tais Carla

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Suicídio

Já fazia mais de oito meses que André freqüentava o psiquiatra, pois por qualquer coisa errada que acontecesse em sua vida, era motivo para não mais viver. Idéias de suicídio passeavam em sua mente. Apenas andavam de lá para cá, até que um dia André foi demitido. Então, resolveu transformar suas idéias em uma única ação.
Numa caixa junto aos brinquedos de seu filho (não o via há mais de onze meses, desde quando sua mulher o deixou e foi morar no exterior) havia uma arma comprada nas primeiras semanas em que as idéias começaram a perambular na cabeça. A caixa se encontrava em cima do armário. André estendeu a mão, tateou alguns brinquedos até encontrar o que procurava.
Tremia.
Partiu para uma ponte que se encontrava próxima a seu apartamento. Estava atordoado. Andava como se as pessoas soubessem do que ele estava prestes a fazer. No bolso interior do casaco ele escondia o objeto.
Não chovia. A lua cheia iluminava todo o caminho.
Finalmente chegou à ponte. Pôs-se de frente ao rio sereno.
Tremia.
Retirou a arma do casaco, fechou os olhos, apontou-a para o ouvido esquerdo, hesitou um pouco. Algumas imagens, momentos felizes e tristes, passavam em sua cabeça. Puxou o gatilho. Ouviu um barulho que em nada se parecia a um estouro: shhhhhhhhhhhh. Um calafrio percorreu-lhe a espinha.
André respirou aliviado quando viu que tipo de arma se encontrava em sua mão. Presente que deu ao filho no último natal que passaram juntos.
Voltou para casa e, naquela semana, ao invés de ir ao psiquiatra foi ao otorrinolaringologista. A dor de ouvido era insuportável.
Tais Carla B. Cassemiro